Da penumbra à escuridão - A arte rupestre das cavernas de Ruropólis, Pará, Amazõnia, Brasil*

Edithe Pereira. edithepereira@museu-goeldi.br Museu Paraense Emílio Goeldi. Pesquisadora do CNPq

Erismar de Souza Silva. Presidente da Associação dos Exploradores de Caverna de Rurópolis

* Este artigo tem sua origem em uma vistoria técnica realizada em julho de 2011 a pedido da Superintendência Regional no Pará do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Trata-se de informações preliminares observadas em cinco sítios com arte rupestre localizados no município de Rurópolis.


RESUMO

Pinturas e gravuras rupestres na Amazônia brasileira estão presentes principalmente em locais a céu aberto. Ainda são poucos os registros sobre a presença de arte rupestre no interior de cavernas. Rurópolis, município situado no sudoeste do estado do Pará, parece ser uma exceção, visto que abriga uma importante província espeleológica com grande quantidade de cavernas em arenito. Algumas dessas cavernas abrigam em seu interior pinturas e gravuras pré-históricas cujas características técnicas e estilísticas não encontram paralelo na Amazônia. No entanto, o ineditismo e  principal característica dessa arte rupestre é o fato de estar localizada em áreas afóticas das cavernas.

ABSTRACT

In the Brazilian Amazon, rock paintings and engravings are mainly present in open air areas. There are only few records about the presence of rock art within caves. Rurópolis, a county located in the southwestern part of the state of Pará, seems to be an exception, since it houses an important speleological province with lots of sandstone caves. Some of these caves house prehistoric paintings and engravings whose technical and stylistic features are unmatched in the Amazon. However, the uniqueness and main feature of this rock art lies in the fact they are located in aphotic areas of the caves.

 

A ARTE RUPESTRE EM CAVERNAS NA AMAZÕNIA BRASILEIRA

Os estudos sobre arte rupestre na Amazônia brasileira já evidenciaram uma grande quantidade de sítios arqueológicos com esse tipo de vestígio sendo predominantes as gravuras rupestres localizadas ao ar livre, principalmente, nos trechos encachoeirados dos cursos d’água.

Há registros da existência de pinturas e gravuras rupestres no interior de abrigos e de cavernas, mas o número de sítios ainda é modesto quando comparados a locais onde a arte rupestre se apresenta a céu aberto. Dos 152 sítios com arte rupestre registrados no Estado do Pará (Pereira, et. al, 2013) apenas 10 apresentam pinturas e/ou gravuras no interior de cavernas. Em algumas delas a arte rupestre está localizada em áreas onde é possível observá-la com a luminosidade exterior. Em outros casos as pinturas e/ou gravuras estão em zonas de penumbra onde há necessidade de luz artificial para visualizá-las como é o caso de algumas grutas no Município de Monte Alegre, no Pará (Pereira, 2012).

A presença de arte rupestre em zonas afóticas de cavernas amazônicas era desconhecida até descoberta das pinturas e gravuras rupestres localizadas no município de Rurópolis.

 

ARQUEOLOGIA E ESPELEOLOGIA EM RURÓPOLIS

No final dos anos 1990, o Grupo Espeleológico Paraense (GEP) registrou algumas cavernas localizadas no município de Itaituba, vizinho a Rurópolis (Pinheiro et al.,1998). Na última década, a descoberta e o registro de cavernas em Rurópolis têm sido feitos por membros da Associação de Exploradores de Cavernas de Rurópolis, principalmente por Erismar Silva (1).Atualmente, são conhecidas nesse município mais de 60 cavernas, parte delas registrada por amadores na Sociedade Brasileira de Espeleologia.

A grande quantidade de cavernas na área compreendida entre Rurópolis e Itaituba faz dela uma importante província espeleológica, mas que ainda muito pouco conhecida, visto que o trabalho realizado tem se limitado a localização das cavernas utilizando o GPS e algumas medidas estimadas.

Do ponto de vista arqueológico, o conhecimento existente para a região de Rurópolis ainda é incipiente e limitado ao registro de alguns sítios no âmbito de projetos de contrato (2). De acordo com o Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico (SGPA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN (3). foram registrados em Rurópolis dezenove sítios arqueológicos, sendo 11 lito-cerâmicos, 8 cerâmicos e 1 com gravuras rupestres. Somam-se a essas informações os cinco sítios com arte rupestre registrados durante a vistoria realizada em julho de 2011.

 

1. Erismar Silva foi a pioneira na descoberta e exploração de cavernas de Rurópolis.
2. Alguns sítios foram localizados através do projeto “Patrimônio Arqueológico da BR-163 (Guarantã do Norte)/Entroncamento BR-230 e BR-230 (Miritituba-Rurópolis). Informação obtida através do site www.iphan.gov.br.
3. www.iphan.gov.br

 

RURÓPOLIS, SUAS CAVERNAS E A ARTE RUPESTRE

A cidade de Rurópolis tem suas origens no início da década de 1970 e sua criação está relacionada ao Programa de Integração Nacional (PIN), que visava desenvolver a região através de um grande programa de colonização estimulado pela migração de trabalhadores de várias partes do Brasil.

Rurópolis está localizada a 1.170 km de Belém, capital do estado do Pará, no entroncamento da Rodovia Transamazônica (BR-230) com a Rodovia Cuiabá – Santarém (BR-163), estradas que facilitam as vias de acesso a todas as regiões brasileiras (Figura 1).

Os cinco sítios arqueológicos com arte rupestre localizados em Rurópolis em julho de 2011 estão localizados em estradas vicinais da BR-230 (Transamazônica) no trecho Itaituba-Rurópolis. São eles: Caverna das Mãos, Caverna do Caximbão, Caverna das Damas, Caverna do 110 e Caverna da Borboleta Azul (figura 2).

 

Figura 1 – Localização do município de Rurópolis, Pará.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rur%C3%B3polis. Acesso em 20/08/2011.
Figura 2 – Localização dos sítios no município de Rurópolis.

 

CAVERNA DAS MÃOS

O sítio arqueológico Caverna das Mãos foi registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla PA-ST-46: Caverna das Mãos (4). Esse sítio possui duas grandes entradas, ambas com um desnível acentuado na entrada. Em uma delas o proprietário do terreno construiu uma escada de madeira visando facilitar o acesso a gruta e ao local onde foi colocado um altar com a imagem de N.S de Lourdes (figuras 3 e 4). Algumas partes dessa escada encontram-se hoje bastante deterioradas colocando em risco aqueles que a utilizam.

4. Esse sítio foi cadastrado por Schaan (2009) como N.S. de Lourdes (CNSA PA 00997), que é o nome da propriedade onde se encontra. No entanto, a caverna já havia sido cadastrada anteriormente na Sociedade Brasileira de Espeleologia com o nome de Caverna das Mãos – designação pela qual o local é conhecido pela população local.


Figura 3 – Entrada principal da Caverna das Mãos com escada de acesso e altar religioso
colocado na gruta na entrada da gruta pelo proprietário. Fotos: Edithe Pereira.

A descoberta das pinturas rupestres na Caverna das Mãos foi feita em 1998 por Erismar de Souza Silva. Nessa época havia na parede em frente a entrada da caverna duas gravuras pintadas (figura 4, detalhe) que foram destruídas quando o suporte no qual estavam foi raspado para colocação do primeiro altar.

Figura 4 - A esquerda da foto o local do altar atual; a direita a área do primeiro altar cuja
parede foi raspada e na qual havia pinturas rupestres que foram destruídas (no detalhe).
O contorno da entrada também parece ter sido modificado. Foto: Edithe Pereira.


Na Caverna das Mãos há tanto pinturas como gravuras rupestres distribuídas em diferentes zonas as quais foram numeradas de forma preliminar a fim de organizar as informações. A zona 1 corresponde as paredes da segunda grande entrada da caverna onde há enorme quantidade de sedimento extremamente arenoso oriundo do deslizamento da parte superior do terreno. Nessa zona há dois painéis com gravuras rupestres situados um em frente ao outro. O painel 1 (figura 5) é iluminado pela a luz exterior sendo a maior parte das gravuras facilmente visíveis. Predominam nesse painel figuras zoomorfas, algumas claramente identificadas como o peixe-boi (Figura 5a) e a arraia (figura 5 b), além de aves (figura 5 c) e peixes (Figura 5 a). A técnica utilizada para a elaboração dessas figuras foi a gravura profunda que destaca fortemente as figuras no suporte.

O painel 2 está localizado em frente ao painel 1, mas devido a posição da parede as gravuras só podem ser vistas com auxilio de luz artificial (figura 6 a, b). Nesse painel as figuras são geométricas (grafismos puros), algumas com pintura preta no interior das incisões (figura 6b).

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Figura 5 – Gravuras rupestres com representações de animais localizadas na zona 1 da Caverna das Mãos. Fotos: Edithe Pereira.
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Figura 6 – Motivos geométricos localizados no painel 2 da zona 1 da Caverna das Mãos.
Fotos: Edithe Pereira

A zona 2 corresponde aos primeiros 30 metros de uma extensa galeria que se desenvolve por cerca de 500 metros (estimados) ao longo da qual corre um rio cujas águas deslizam fortemente nos primeiros metros a partir da entrada principal da caverna. Conforme penetra na caverna a água corre mais tranquila e se observam trechos com sedimento que ficam fora do alcance das águas, pelo menos em tempos de seca.

As gravuras da zona 2 estão em área afótica e se localizam próximo ao solo. Os temas representados são principalmente formas geométricas (figura 7) e alguns zoomorfos e possíveis antropomorfos gravados com incisão fina.

Figura 7 – Gravuras rupestres na zona 2, localizadas no início da extensa galeria da Caverna das Mãos.
Fotos: Edithe Pereira.

Seguindo pela mesma galeria a aproximadamente 450 metros (estimados) da entrada da caverna, em zona afótica, chega-se a zona 3 onde ocorrem as pinturas rupestres. Essas pinturas estão agrupadas em painéis localizados próximos entre si tanto na parede à direita quanto à esquerda. Os temas representados são, principalmente, mãos em positivo - e que originou o nome da caverna - (figura 8a, b, c) e figuras biomorfas (figura 8d).

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Figura 8 – Pinturas rupestres localizadas em zonas afóticas da Caverna das Mãos. (a,b,c)
Mãos em positivo; (d) biomorfo. Fotos: Edithe Pereira

Além da parede que foi raspada na entrada da gruta, observam-se ainda outros danos de origem antrópica na Caverna das Mãos. Na parede na entrada da caverna há uma série de pichações gravadas na rocha (figura 9a). No interior da extensa galeria, próximo ao local onde estão as gravuras rupestres (zona 2) há desenhos modernos gravados na parede (figura 9 b, c).

Os problemas de conservação de origem natural estão relacionados ao desplacamento natural da rocha (tanto para pinturas como para as gravuras), eflorescência salina sobre algumas pinturas e, provavelmente, a força das águas no período chuvoso quando o nível do rio aumenta dentro da caverna.

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Figura 9 – Os problemas de conservação do sítio Caverna das Mãos –
(a,b,c) gravuras modernas; (d) desplacamento da rocha e eflorescência.
Fotos: Edithe Pereira


CAVERNA CAXIMB
ÃO

O sítio arqueológico Caverna Caximbão foi registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla PA-ST-45: Caverna Caximbão. A entrada da caverna possui 1,50 metro de altura, mas dentro há um amplo salão com aproximadamente 50 metros de largura por 10 metros de profundidade.

O sítio apresenta pinturas e gravuras rupestres que estão localizadas na parede ao fundo da caverna. A cavidade é pouco iluminada e as gravuras e pinturas encontram-se na penumbra e só podem ser visualizadas com auxílio de luz artificial. Foram identificados três painéis sendo dois com pinturas e gravuras. Os temas identificados foram os grafismos puros (figura 10 a), zoomorfos (figura 10 b) e antropomorfos filiformes (figura 10 c). As técnicas utilizadas para as gravuras foram a incisão profunda e o raspado cuja composição confere aos motivos o efeito de alto relevo. Esse efeito é acentuado pelo contraste de cor entre a parte raspada e a não raspada (mais escura devido a pátina da rocha) (Figura 10 c)

No solo há bastante sedimento, mas não foi observada a presença de outros vestígios arqueológicos (cerâmico e lítico). No entanto, a sua presença não pode ser descartada, havendo necessidade de um trabalho de prospecção intra-sitio mais detalhado para a identificação desses vestígios em sub-superfície, bem como, para a identificação de possíveis outros painéis com arte rupestre no interior da caverna. O sítio encontra-se bem conservado e não foram observados danos de origem antrópica.

Figura 10 – Pinturas e gravuras rupestres no interior da Caverna Caximbão. Fotos: Edithe Pereira

 

CAVERNA DAS DAMAS

O sítio arqueológico Caverna das Damas foi registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla PA-ST-47: Caverna das Damas. A cavidade mede aproximadamente 50 metros de largura por 30 metros de profundidade (estimados). A origem do nome da caverna está relacionada com uma das figuras pintadas cuja forma é semelhante a um tabuleiro de damas (figura 11a).

A esquerda de quem entra, a caverna tem pouca profundidade, parecendo mais um abrigo com uma altura máxima de 2,5 metros. Nessa área, o sedimento está conservado, há alguns blocos rochosos no solo e as pinturas estão localizadas no teto (painel 1). Na parede próxima a entrada da área mais profunda da caverna encontra-se o painel 2 e, um pouco mais a sua frente, o painel 4. Ambos estão localizados a mais de 2 metros de altura em relação ao solo atual. Próximo a entrada da caverna, a direita de quem entra estão localizados no teto os painéis 5 e 6.  Na parte mais profunda da caverna está o painel 7.

Na entrada da caverna houve um desmoronamento do sedimento o que provocou um acentuado desnível entre o solo da parte exterior e interior da caverna. O acesso aos painéis 4 e 5 era provavelmente mais fácil antes desse desmoronamento. Hoje, a distância entre o solo atual e o teto onde estão esses painéis é de cerca de 4 metros.

As pinturas estão elaboradas nas cores vermelha e branca, sendo a bicromia de algumas figuras e a grande quantidade de pinturas na cor branca o destaque desse sítio (figura 11a, b, c, d).

Em uma das rochas situadas abaixo do painel 1 há três cúpulas. No solo há bastante sedimento, mas não foi observada a presença de outros vestígios arqueológicos como cerâmica e líticos. No entanto, a sua presença não pode ser descartada, havendo necessidade de um trabalho de prospecção intra-sitio mais detalhado para a procura desses vestígios em sub-superfície, bem como, para a identificação de possíveis outros painéis com arte rupestre no interior da caverna.

Nenhum dano de origem antrópica foi detectado nas pinturas. Os problemas de conservação são de origem natural como a presença de liquens, casas de cupins e eflorescência salina.

Figura 11 – Detalhe de alguns motivos do sítio Caverna das Damas Na figura
11a o grafismo que deu origem ao nome do sítio. Fotos: Edithe Pereira


CAVERNA DO 110

O sítio arqueológico Caverna do 110 foi registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a sigla PA-ST-49: Caverna do 110. A caverna tem duas entradas, uma bastante estreita (cerca de 70 cm de largura por 1,60 de altura) e outra mais ampla com aproximadamente 2,80 de largura. No seu interior a gruta apresenta dois salões interligados por uma galeria com cerca de 20 metros de extensão (figura 12). O sítio apresenta pinturas, gravuras e gravuras pintadas que se distribuem pelos salões e galeria em oito painéis.

Os painéis 1, 2 e 3 estão localizados no salão 1 cujo acesso é feito pela entrada mais ampla onde a luminosidade é maior e por isso mesmo os grafismos podem ser visualizados com a luz natural (Figura 15 a, d). Os painéis 4 e 5 estão localizados na galeria, em área de penumbra e as figuras que os compõe só podem ser vistas com luz artificial (figura 15 b, c).

Os painéis 6, 7 e 8 podem ser vistos com a luz natural (figura 13 e 14). Eles estão localizados no salão 2 cujo acesso se faz pela entrada mais estreita da caverna.

Os grafismos puros predominam entre as gravuras rupestres, há poucas representações de animais (quadrúpedes). Há pelo menos duas gravuras pintadas nas cores preta e vermelha (figura 15a). Os temas encontrados nas pinturas são antropomorfos e animais (peixe) (figura 15b, d)

A incidência de luz na caverna é pouca e dificultada pela vegetação existente na parte exterior. No interior da caverna foram encontrados em superfície alguns fragmentos de cerâmica O sítio está bem conservado. Não foram observados danos de origem antrópica e os problemas de conservação estão relacionados a fatores naturais como a presença de liquens, casas de cupins e eflorescência salina.

Figura 12 – Vista panorâmica da Caverna do 110 feita desde o seu interior. A esquerda observa-se a
entrada menor onde estão os painéis 6, 7 e 8; a direita entrada a maior onde estão os painéis 1,2 e 3;
no centro da foto (galeria que une os dois salões) estão os painéis 4 e 5. Foto: Edithe Pereira.
Figura 13 - Vista geral do salão 2 onde estão os painéis com gravuras rupestres.
Foto: Edithe Pereira
Figura 14 – Detalhe das gravuras rupestres localizadas no salão 2. Fotos: Edithe Pereira.
Figura 15 - (a) Gravura pintada localizada no salão 1; (b) antropomorfo pintado em preto localizado
na galeria que une os dois salões; (c) gravura rupestre preto localizada na galeria que une os dois salões;
(d) pinturas rupestres localizadas na entrada do salão 1, entre elas a representação de peixe.
Fotos: Edithe Pereira.

 

CAVERNA DA BORBOLETA AZUL

O sítio arqueológico Caverna da Borboleta Azul foi registrado no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A caverna tem uma ampla entrada (aproximadamente 6 metros de largura) e é pouco profunda (cerca de 9 metros) (figura 16a). No fundo da caverna a sua direita há uma pequena fenda junto a qual há algumas gravuras. Foram observados restos de pintura vermelha (figura 16e) e diversas gravuras cujos motivos são grafismos puros representados na sua maioria por traços retilíneos e cruzes (figura 16 b, c, d). Há pelo menos uma gravura cujos traços foram pintados com a cor preta (figura 16 d).

O sítio está bem conservado. Apenas um dano de origem antrópica foi observado no sítio: um nome gravado na rocha. Os problemas de conservação estão relacionados a fatores naturais como liquens e eflorescência salina.

Figura 16 – (a) Vista panorâmica da Caverna da Borboleta Azul; (b, c) gravuras rupestres; (c) gravura com interior pintado em negro; (e) restos de pintura vermelha. Fotos: Edithe Pereira.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O município de Rurópolis ainda é pouco conhecido do ponto de vista arqueológico, mas é uma região com riquíssimo potencial. São sítios cerâmicos e lito-cerâmicos a céu aberto, sítios com arte rupestre em grutas e evidencias cerâmicas no interior das grutas com arte rupestre.

A observação preliminar dos sítios com arte rupestre visitados revela uma série de características ainda não observadas em outros sítios com arte rupestre na Amazônia e, provavelmente, no restante do Brasil (Pereira, 2003). A primeira delas e, indiscutivelmente, a mais espetacular é a presença de pinturas nas profundezas de cavernas em zonas afóticas. A outra é a presença de arte rupestre no interior de cavernas não muito profundas, mas escuras o suficiente para que a arte rupestre seja visível apenas com luz artificial. O primeiro caso é exemplificado pela Caverna das Mãos. Trata-se de um sítio excepcional e que merece destaque pelo fato da arte rupestre estar em zona afótica e distante mais de 400 metros da entrada da caverna o que se configura como um caso excepcional no Brasil (5).

5. O mapeamento dessa gruta e a documentação da sua arte rupestre já foram realizados através do projeto “Arte rupestre e contexto arqueológico nas grutas de Rurópolis” coordenado por Edithe Pereira. Os resultados serão publicados em breve.

A presença de arte rupestre no interior de grutas em áreas completamente escuras é inédita no Brasil. Em alguns lugares, como em Monte Alegre, no Pará, foram registrados sítios onde a arte rupestre se encontra em zonas de penumbra e necessita de luz artificial para ser visualizada (Pereira, 2011, 2012). A Caverna das Mãos, no entanto, com pinturas rupestres localizadas em áreas profundas e afóticas é, provavelmente, um caso único no Brasil. Essa particularidade confere ao sítio uma importância sem precedentes no país. Além da importância arqueológica desse sítio, a sua proteção é premente por vários motivos entre os quais destacamos: a) as intervenções antrópicas que provocaram dano ao patrimônio arqueológico; b) a presença de pichações modernas gravadas nas rochas próximo as gravuras pré-históricas; c) a construção na entrada da caverna de um altar religioso que sugere peregrinação ou atividade religiosa no local (ainda que esporádica) e; d) a facilidade de acesso estimulada pela construção de uma escada que dá acesso ao interior da gruta.

O outro ponto de destaque da Caverna das Mãos diz respeito a própria arte rupestre cujas técnicas e motivos sugerem, a principio, diferentes momentos de ocupação na caverna. Chamamos a atenção também para o painel com motivos zoomorfos localizado na entrada secundária da gruta (ver figura 5) cuja técnica empregada - gravação profunda - destaca fortemente as figuras no suporte.

Nos demais sítios com arte rupestre de Rurópolis - Caverna do Caximbão, das Damas, do 110 e da Borboleta Azul – algumas pinturas e/ou gravuras rupestres localizadas na penumbra só podem ser observadas só com auxílio de luz artificial. Essa é uma particularidade que confere destaque e importância a esses sítios por tratar-se de casos pouco frequentes no Brasil.

Em todos os sítios visitados tanto as pinturas quanto as gravuras apresentam um conjunto de características técnicas e estilísticas bastante peculiares. Destaca-se entre elas o uso da cor branca para a elaboração dos motivos (até o momento o uso dessa cor era inédito na arte rupestre da Amazônia brasileira); o uso da bicromia em vermelho e branco na composição dos motivos (também inédito na Amazônia brasileira); pinturas elaboradas em preto; motivos gravados elaborados com a técnica do gravado profundo que permite destacar fortemente a figura no suporte rochoso. Os temas representados são diversos (zoomorfos, antropomorfos e grafismos puros) e possuem características estilísticas diferentes nos diversos sítios da área e até mesmo em um mesmo sítio o que sugere, como dito anteriormente, diferentes momentos de ocupação em uma mesma caverna.

A presença de vestígios cerâmicos na superfície de alguns sítios como na Caverna do 110 e na Caverna da Borboleta Azul, sugere que os locais podem ter sido ocupados com finalidade de moradia (ainda que temporária) ou ritualístico. Um projeto visando responder as questões relacionadas a forma de ocupação dessas cavernas e a datação e contextualização da arte rupestre está em curso (6) e seus resultados serão publicados em breve.

6. Trata-se do projeto de pesquisa “Arte rupestre e contexto arqueológico nas Grutas de Rurópolis, Pará” financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional sob a coordenação de Edithe Pereira.

Com exceção da Caverna das Mãos, os demais sítios são pouco visitados por curiosos ou turistas. Isso se deve, em parte, pela dificuldade de acesso até eles. No entanto, ressalta-se a preocupação com a divulgação e visitação pública ao sítio Caverna das Mãos que vem sendo estimulada por particulares da região. Expor um sítio arqueológico a visitação pública requer uma série de requisitos relacionados a infraestrutura e proteção, além de pesquisa para subsidiar informações a serem repassadas aos visitantes (Pereira, 2005; Pereira e Figueiredo, 2005; Figueiredo e Pereira, 2007). O turismo sem as bases e a organização necessárias pode transformar-se em um perigoso agente de destruição do patrimônio arqueológico.

 

 

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¿Preguntas, comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com

Cómo citar este artículo:

Pereira, Edithe y de Souza Silva, Erismar . Da penumbra à escuridão - A arte rupestre das cavernas de Ruropólis, Pará, Amazõnia, Brasil.
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/cavernasruropolis.html

2014

 

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