Especificidades e desafios do sítio arqueológico Buraco D’água, em Campo Formoso, Bahia, Brasil


Cristiana de Cerqueira Silva Santana. Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB. Pós-doutorado em Arqueologia. ccsilva@uneb.br

Gilmar D’Oliveira Silva. Colaborador externo do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Especialista em Educação Ambiental. gilmargdos@gmail.com

Hélio Augusto de Santana. Colaborador externo do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Especialista em Educação Ambiental. helioaugusto@hotmail.com

Joyce Avelino Bezerra Santana. Doutoranda em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe. Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB. joyce_costab@msn.com

Márcia Cristina Teles Xavier. Mestre em Ecologia e Conservação. Colaboradora externa do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB – Campus VII. Mestre em Ecologia.
mxavih@yahoo.com.br


RESUMO

A caverna Tiquara, também conhecida como ‘toca da onça’ ou ainda ‘buraco d’água’ é uma cavidade de valor excepcional por apresentar fauna singular, mas, do ponto de vista da Arqueologia, por conter pinturas rupestres, algumas inclusive em área afótica. Apesar da relevância, esse sítio arqueológico designado ‘Buraco d’água’, apresenta-se bastante degradado por conta do turismo predatório. Esse conjunto de expressão científica se localiza no município de Campo Formoso, Bahia, Brasil, um dos municípios com grande riqueza de sítios de representação rupestre da Bahia. Este artigo descreve o sítio Buraco d’água, destaca a distribuição das pinturas nos ambientes com diferentes luminosidades, aponta o avanço do vandalismo sobre o sítio, chama atenção para as ações educativas já realizadas e sinaliza demandas futuras necessárias para a conservação e preservação do sítio.  

Palavras-chave: caverna, local afótico, pichação, pinturas rupestres, educação.

ABSTRACT

The Tiquara cave, also known as the ‘toca da onça’ or ‘buraco d’água’ has exceptional value by presenting unique fauna and also to present cave paintings, including some aphotic area. Despite the relevance, this archaeological site called ‘Buraco d’água’, is severely degraded due to the predatory tourism. This scientific group is located in the municipality of Campo Formoso, Bahia, Brazil, one of the cities with great wealth of rock art sites of Bahia. This article describes the site ‘Buraco d’água’, the distribution of paintings in environments with different luminosities, shows the advance of vandalism on the site, lists the educational activities already carried out and shows the future demands, necessary for the conservation and preservation of the site.

Keywords: cave, aphotic site, graffiti, rock paintings, education.

 

 
INTRODUÇÃO

A arte rupestre é uma das raras expressões intencionalmente deixadas pelas populações pré-coloniais (PROUS, 2001). Talvez, por esse motivo, sejam tão emblemáticas e carregadas de significados, muitas vezes intangíveis para as sociedades atuais. Esses sítios causam grande impacto visual e normalmente impressionam pela beleza e grandiosidade.

Os sítios de arte rupestre apresentam importância tanto do ponto de vista científico quanto educativo e cultural. O estudo científico desses sítios pode oferecer informações sobre a vida cotidiana dos grupos que pintaram as rochas, aspectos das relações sociais, conhecimentos sobre o ambiente em que viviam, dentre outros elementos, que nem sempre podem ser alcançados a partir de um resultado estrito de escavação. O potencial educativo e cultural-turístico dos sítios de arte rupestre também é imenso, pois, auxiliam como espaços de aprendizado, sejam na educação formal ou informal. Mas, para o uso como espaço cultural-turístico há a necessidade de se avaliar quais sítios podem ser utilizados para tal finalidade e de se estruturar tais locais para a visitação pública, que deve ser sempre guiada.

Todavia, como muitos desses sítios se localizam em espaços rurais e, nem sempre existe no Brasil um controle dos órgãos competentes sobre usos desses espaços e avaliação das condições de uso recreativo. Assim, como resultado, muitos desses sítios acabam sendo depredados por conta de um turismo mal planejado ou predatório.

A mesorregião Centro-Norte da Bahia e em especial a microrregião de Senhor do Bonfim apresenta um grande potencial arqueológico. Estudos realizados a partir de 2001 pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia – Campus VII (LAP/UNEB) tem chamado a atenção para esse grande potencial arqueológico, com destaque para a ocorrência de sítios de Arte Rupestre em especial no município de Campo Formoso. Vale salientar que a equipe do LAP/UNEB realiza o mapeamento de sítios de representações rupestres no município de Campo Formoso desde o ano de 2001 (SILVA, 2001; SILVA-SANTANA, 2002; SILVA-SANTANA et al, 2012; SILVA e SILVA-SANTANA, 2014; FREITAS, SILVA, SILVA-SANTANA, 2015; SILVA-SANTANA et al., 2015).

Dentre os municípios dessa região destaca-se, assim, Campo Formoso, pois, apresenta muitos sítios de Arte Rupestre (SILVA e SILVA-SANTANA, 2014; LAPUNEB, 2014; ARQUEOLOGIA E PALEOAMBIENTES, 2015) e esses achados normalmente estão caracterizados por pinturas encontradas em áreas de abrigos rochosos e entradas de cavernas (SILVA, 2002).

As cavernas de Campo Formoso compõem um dos mais imponentes conjuntos cársticos do estado da Bahia, integrando cavernas mundialmente conhecidas como a Toca da Boa Vista e da Barriguda. Esses espaços têm, no município, sua importância relacionada não apenas a grande quantidade, ao imenso tamanho de algumas, a diversidade de espeleotemas e de faunas associadas, como também pela constante relação com elementos paleontológicos e arqueológicos, em especial, com os sítios de Arte Rupestre (BAMBUÍ, 2007).

Contudo, muitos desses sítios apresentam dificuldades de preservação, sejam decorrentes de problemas ambientais (intemperismo e ações resultantes de agentes biológicos), ou por ações humanas de vandalismo ou relacionadas à falta de educação ambiental/patrimonial. Segundo Silva (2002) muitas são as informações acerca da ocorrência de sítios de Arte Rupestre nessas cavernas, no entanto, muitos dos sítios estão sendo destruídos: descascados, riscados e pintados com fuligem e tintas.

Dentre os sítios arqueológicos de arte rupestre do município de Campo Formoso que se encontra em avançado processo de degradação chamamos a atenção nesse texto para o sítio Buraco D’água localizado no Povoado de Tiquara (SILVA et al., 2008). Esse sítio é ambientado em espaço de caverna calcária e as pinturas ali existentes se encontram em avançado estado de destruição resultante de ações humanas deletérias.

As campanhas de pesquisas arqueológicas na região vêm localizando e estudando esses sítios de Arte Rupestre e, dessa forma, contribuído para a documentação, o monitoramento e a promoção de atividades de educação patrimonial na região. O sítio Buraco D’Água, objeto deste estudo, é um dos que estão sendo monitorados desde 2007. Nesse sentido, este artigo irá caracterizar o sítio Buraco D’água, com destaque especial para as pinturas existentes nos diversos compartimentos da caverna e para a evolução das ações de vandalismos no sítio, mas, chamando atenção também para as ações educativas já realizadas no povoado de Tiquara visando à preservação patrimonial local.

O estudo sobre esse sítio foi feito a partir de expedições a campo realizadas entre os anos de 2007 a 2014. As campanhas de campo constaram de atividades de documentação e fotografias das pinturas rupestres e do estado de conservação das mesmas, bem como coleta de dados sobre a extensão, o grau e o tipo de degradação que vem sofrendo o local. Ademais e, não menos importantes estão sendo realizadas atividades educativas e orientações junto à população local.

ÁREA DA PESQUISA

O município de Campo Formoso está localizado na mesorregião Centro-norte da Bahia, com sede municipal distando aproximadamente 400 km de Salvador, capital do estado (IBGE, 2000). O Distrito de Tiquara encontra-se distante 27 km da sede municipal de Campo Formoso e se constitui área específica da pesquisa (Figura 1).

O sítio arqueológico Buraco D’água, localiza-se em uma caverna conhecida localmente por: buraco d’água, toca da Tiquara, ou ainda toca da onça. Essa caverna está situada no interior de uma fazenda (conhecida no povoado como fezenda do Paco) destinada ao plantio de sisal e tomates, e que fica próxima do centro de Tiquara.

A caverna apresenta um acesso controlado pela sede da fazenda, mas, outros acessos não controlados são possíveis. Conforme discorre Silva et al. (2008) essa caverna situa-se na coordenada 331796.43 m E e 8844111.33 m S e, segundo informações do Grupo Espeleológico Bambuí, tem uma extensão de aproximadamente de 1.010 m.

Figura 1. Mapa de localização do sítio em relação ao Povoado de Tiquara,
município de Campo Formoso, Bahia, Brasil. Elaborado por Gilmar Silva.

O acesso a esse sítio é muito fácil, pois, se localiza a apenas 1.500 m em linha reta, a nordeste, do centro do Povoado de Tiquara. O acesso a partir de Salvador, capital do estado se dá por meio da BR 324 até o município de Capim Grosso, desse município segue-se pela BR 407 até Senhor do Bonfim, de onde a partir das estradas BA 220 e BA 114, se chega inicialmente em Campo Formoso e daí para o Povoado de Tiquara.


A CAVERNA E O ENTORNO

A caverna Tiquara encontra-se em uma área de depressão do terreno, rodeada por vegetação de caatinga e também por plantio de sisal. O fato de se situar em área de depressão do terreno faz com que durante os períodos de chuvas fortes as águas pluviais e sedimentos drenem em direção ao interior caverna (Figura 2).

Figura 2. Situação topográfica da caverna Tiquara, onde se encontra
o sítio arqueológico buraco d’água. Foto: Cristiana Santana.


Essa caverna possui duas entradas, em que na da esquerda se tem o acesso ao sítio e a da direita, o acesso a outros setores da cavidade, mas nessa última há ausência de vestígios arqueológicos (Figura 3).

Figura 3. Localização da entrada do sítio buraco d’água e da
segunda entrada que dá acesso a outros setores da caverna. Foto: Cristiana Santana.

Segundo Ott (1958) a partir da década de 1930 essa caverna foi alvo da extração do salitre, cuja atividade alterou a entrada da mesma a partir da construção de tanques, modificando sua estética além de aumentar a deposição de sedimentos em seu interior. Restos desses tanques podem ser ainda encontrados em sua entrada principal (Figura 4).

Figura 4. Restos dos tanques existentes à frente da caverna. Foto: Cristiana Santana.


Todas essas situações acabam por possibilitar o carreamento de sedimentos, durante o período de chuvas, para o interior da caverna e com isso soterrar ou aprofundar possíveis vestígios arqueológicos existentes no piso da caverna.

HISTÓRICO DAS PESQUISAS NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO BURACO D’ÁGUA

A caverna Tiquara tem sido objeto de alguns estudos, um desses consiste no levantamento espeleológico realizado pelo Grupo Bambuí de Espeleologia que mapeou a cavidade durante a década de 90 do século passado. Estudos referentes à bioespeleologia também tem sido realizados, sendo um desses de grande importância relacionado à descoberta da espécie Psyllipsocus yucatan, um artrópode que vive em guano de morcegos e precipita cristais de ferro em suas asas (Lienhard et al, 2012).

Os vestígios arqueológicos referentes a ocupações humanas do passado pré-colonial foram descobertas por Carlos Ott na década de 1940. No período, Carlos Ott identificou as pinturas rupestres existentes na caverna, as quais as interpretou como sendo geométricas associadas a figuras zoomorfas na cor vermelha (OTT, 1958).

Durante suas pesquisas Carlos Ott realizou uma sondagem, por meio da abertura de uma escavação em área central da caverna, nas proximidades da área contendo pinturas. Explica Ott que a escavação realizada não resultou em achados de vestígios culturais, mas, apenas, segundo o autor, de uma ossada de um pequeno vertebrado considerado por ele como sendo de um animal recente.

No que se referem aos estudos arqueológicos, muitas décadas se passaram até que, no ano de 2007, a equipe de Arqueologia da Uneb/Campus VII inicia estudos na localidade, com levantamentos de sítios arqueológicos e paleontológicos, bem como a realização de atividades educativas. Dentre as atividades educativas desenvolvidas vale destacar as de Silva et al (2015) e Moura-Vieira, Santana, Silva-Santana (no prelo), relativa ao desenvolvimento de ações em educação patrimonial no povoado de Tiquara e que tiveram como objeto patrimonial o sítio arqueológico Buraco d’água.

 

AS PINTURAS RUPESTRES DO SÍTIO BURACO D’ÁGUA

As pinturas rupestres do sítio Buraco d’água encontram-se distribuídas em uma faixa de aproximadamente 50 m desde a parede externa, na entrada do conduto esquerdo da caverna, até um trecho no interior da mesma e que se situa em condição entre a penumbra e a escuridão (Figura 5).

Figura 5. Mapeamento da Toca da Tiquara (Buraco d’água), conforme a Revista o Carste de 1996,
com modificações, realizadas pelos autores. Fonte da imagem Vieira (2012).

A maior parte das pinturas se distribui no salão inicial, em especial no teto do lado direito desse salão, em prolongamento rebaixado do mesmo. Essa área se apresenta com incidência de luz indireta, entre a área eufótica e a de penumbra, ou disfótica. No teto dessa ala direita a visualização das pinturas é dificultada pela sua pouca altura, mas, nessa parte é onde se encontra grande parte das pinturas. O restante das figuras encontra-se disposta espaçadamente pelas paredes até alcançar o trecho limitante entre essa área de penumbra e a área de escuridão ou zona afótica da caverna (Figura 6).

Figura 6. Esquema livre, sem perspectiva e sem escala, de distribuição
das pinturas no interior da caverna. Elaborado pelos autores.


As figuras da entrada da caverna (zona eufótica)

Na porção externa de entrada, em área de incidência direta de luz observam-se atualmente apenas dois pequenos locais com pinturas pontilhadas, já bastante esmaecidas e descamadas. Essas pinturas correspondem a uma série de pontos na cor vermelha, realizados com os dedos. Esses grafismos originalmente deveriam ocupar uma área maior no painel, mas, encontram-se muito esmaecidos e com intensa descamação (Figura 7).

Figura 7. Detalhes dos pontilhados (digitados) na entrada do sítio Buraco d’água. Fotos: Cristiana Santana.



As figuras da área de penumbra (área disfótica)

Essas pinturas, conforme mencionado se distribuem na parede do salão e no teto baixo à direita desse. As figuras compreendem grafismos em zigue-zagues, grafismos pontilhados, além de geométricos elaborados (Figura 8).

Além dos grafismos descritos ocorrem também figuras zoomorfas, dentre essas se destaca um veado (Figura 9) e outro mamaliforme (Figura 12), que se encontra depredado.

Figura 8. Grafismos puros, não identificáveis a partir de uma visualização simples.
Sítio Buraco d’água, Campo Formoso, Bahia. Fotos: Cristiana Santana.

Figura 9. Veado com pequena galhada. Sítio Buraco d’água, Campo Formoso, Bahia. Foto: Cristiana Santana.


As figuras da área escura (área afótica)

Nessa área específica da caverna ocorrem apenas duas pinturas, uma ao lado da outra. São grafismos puros, não passíveis de interpretação a partir de uma visualização simples (Figura 10).

Figura 10. Únicos grafismos identificados na área de escuridão da caverna. Foto: Cristiana Santana.


AS CONDIÇÕES DE PRESERVAÇÃO DAS PINTURAS E DA CAVERNA

A partir das campanhas de campo efetuadas pode-se constatar que poucas figuras ainda se apresentam em bom estado de conservação, contudo, a maioria se mostra com diferentes graus de desgastes como o esmaecimento ou a destruição por vandalismo (Figura 11 e 12).

As pichações são na cor negra e identificadas como originadas a partir de tinta spray e por riscos em carvões (Figura 11 e 12). Outro tipo de pichação já encontrada no local se refere à tentativa de complementar uma figura zoomorfa colocando orelhas ou chifres, a partir da complementação com tinta vermelha (Figura 12).

Figura 11. Pichações sobre os grafismos da área feitas com uso
de tinta spray e com carvões. Fotos: Cristiana Santana.

As pichações não pouparam nem a área escura da caverna e nem as áreas próximas das pinturas situadas nessa área escura, conforme pode ser observada na figura 13.

Figura 12. Pichação de um zoomorfo com tinta vermelha na cabeça,
bem como riscos com carvão. Foto: Cristiana Santana.
Figura 13. Em A: no interior dos retângulos observam-se as pinturas da área escura,
em B e C: destaque para essas pinturas da área escura. Ainda em A pode-se observar que acima
das pinturas e bem próximas a essas se encontram pichações com tinta spray. Fotos: Cristiana Santana.

Existem partes das paredes e do teto dessa caverna que se encontram completamente tomadas pelas pichações (Figura 14).

 Figura 14. Pichações por tinta spray nas diversas áreas da caverna. Fotos: Cristiana Santana.

Observa-se que as áreas mais pichadas compreendem justamente os locais de teto onde existem as pinturas rupestres e locais próximos das mesmas.

As pichações existentes compõem-se basicamente de nomes de pessoas frases e datas, associadas ao hábito costumeiro, mas, nesse caso funesto, de deixar para a posteridade a marca da visita realizada.

As pichações avançam conforme se adentra a caverna e juntamente com estas ocorre adicionalmente o acúmulo de lixo em seu interior. Uma análise superficial desse lixo indicou originar-se de atividades de recreação predatória que são realizadas no local. Encontram-se descartadas na área da caverna: latas de bebidas alcoólicas, de refrigerantes, cigarros, plásticos, restos de fogueiras atuais.

Todos esses danos provocam perdas irreparáveis à caverna e aos remanescentes culturais do período pré-colonial local. Vale salientar que o lixo acumulado atrai animais oportunistas para o interior da caverna e afugenta outros, alterando assim o ecossistema desse local.

Assim, com relação ao turismo realizado na caverna Buraco d’água podemos considera-lo com não planejado, exagerado e predatório.

CONSIDERAÇÕES

A existência de pinturas rupestres em ambientes escuros de cavernas é comum na Europa, contudo, a presença dessas representações em ambientes com pouca ou nenhuma luminosidade é rara no Brasil, existindo apenas alguns poucos exemplos conhecidos. Desses se pode registrar que a maior parte se encontra em áreas de penumbra, onde um pouco de luminosidade ainda é possível, mas, mais raras ainda é a presença em áreas de total escuridão, como o exemplo inédito do sítio das mãos em Rurópolis (TRAVASSOS, RODRIGUES, MOTTA, 2013; PEREIRA e SILVA, 2014). Sobre esse sítio em especial destaca Pereira e Silva (2014):

Trata-se de um sítio excepcional e que merece destaque pelo fato da arte rupestre estar em zona afótica e distante mais de 400 metros da entrada da caverna o que se configura como um caso excepcional no Brasil (PEREIRA e SILVA, 2014, p. 16).

Como mencionado no decorrer do texto, parte das pinturas (duas figuras) do sítio buraco d’água se encontra disposta em área limítrofe entre a zona de penumbra e a escura, em que para se visualizar as representações é necessária à utilização de equipamento de iluminação. Observou-se ademais, durante as várias campanhas de pesquisas realizadas no sítio, que no verão, parte dessa área de penumbra apresenta uma fraca claridade. Contudo, o local específico dessas duas pinturas permanece escuro mesmo nessa estação, não sendo visível mesmo após longo período de adaptação visual ao ambiente. Nesse sentido, Buraco d’água pode ser considerado como pertencente ao pequeno grupo de sítios arqueológicos brasileiros que apresenta representações inseridas em local afótico.

Por terem um caráter proposital, as representações rupestres encontram-se repletas de significados, muitos desses, inalcançáveis pelas culturas atuais. Nesse sentido, a intencionalidade foi o fator que gerou esse tipo de registro e seu estudo deve ser feito levando-se em consideração as mais diversas possibilidades, incluindo a relação das pinturas com os ambientes claros e escuros. Contudo, para se empreender tais estudos é necessário que o sítio seja conservado e preservado para levantamentos futuros.

Dos estudos realizados nesse sítio destacam-se alguns desenhos realizados por Carlos Ott acerca das pinturas situadas na área iluminada e disfótica da caverna, bem como a escavação de uma quadra central, na parte aberta do salão, e que segundo Ott resultou apenas na retirada de um esqueleto de vertebrado silvestre. Estudos envolvendo uma escavação controlada e mais ampla, explorando áreas diversificadas da caverna, inclusive os espaços de penumbra e locais escuros serão necessários, bem como um trabalho árduo de conservação das pinturas.

Esta caverna é importante no cenário regional por apresentar representativo acervo de arte rupestre e é singular em vários aspectos, não apenas pela presença das pinturas rupestres em área escura, como também pela excepcionalidade da fauna existente e, por esses motivos, carece de detalhamento de investigações e conservação permanente.

O local, como mencionado, apresenta grande visitação pública, especialmente nos finais de semana e essas são realizadas muitas vezes sem o conhecimento do proprietário da fazenda. Esse lazer ocorre de maneira prejudicial ao ambiente descrito, pois, está sendo realizado de forma predatória, sem controle e cuidado. Essa é uma realidade muito preocupante, pois, tem contribuído diretamente e intensivamente para a destruição do sítio arqueológico e degradação da caverna enquanto ambiente singular. Sobre esse aspecto do turismo predatório refletem Figueiredo e Pereira (2009):

Na composição do produto turístico, os itens da natureza e da cultura têm um valor destacado especialmente aqueles que, por um motivo ou por outro, são excepcionais - ou num conceito mais moderno de patrimônio, são singulares -, importantes para a sociedade que os produziu e marca de identidade e territorialidade.

Os bens arqueológicos têm um potencial enorme de atração turística, por isso são tão valorizados. Mas, essa valorização se potencializa em função de alguns elementos, como as facilidades de acesso ao sítio arqueológico, a possibilidade de visualização ou manipulação dos objetos, a importância na história local e nacional, a beleza plástica da arte e dos objetos, além das construções e monumentos antigos (Figueiredo e Pereira, 2009, p. 1111-1112).

Preocupados com essa realidade de turismo predatório, desde o ano de 2007 iniciamos ações educativas no Povoado de Tiquara, mas essas deverão ser ampliadas para os povoados vizinhos, já que há a indicação popular de que a depredação do sítio está sendo realizada por moradores de fora da localidade.

Não estamos com isso considerando que o turismo na área do sítio não deva ocorrer, mesmo porque passear em cavernas é uma prática cultural local, mas, que essa prática deva ser precedida de cuidados patrimoniais e ambientais. Citando ainda Figueiredo e Pereira (2009):

O turismo pode ser visto então como um fator importante na conservação do patrimônio arqueológico desde que sejam tomadas medidas apropriadas para o manejo dos sítios. Dessa forma ele poderá tornar-se um grande motivador econômico da manutenção dos sítios ao mesmo tempo em que os adapta para visitação, transformando-os em recurso importante de um produto turístico ao mesmo tempo em que possibilita a construção de uma consciência para a preservação do patrimônio arqueológico (Figueiredo e Pereira, 2009, p. 1112).

Observamos ao longo dos anos que o processo de degradação da caverna aumentou entre os anos de 2010 e 2011. As visitas realizadas ao sítio entre os anos de 2007 e 2009 indicam que as pichações permaneciam as mesmas, sem avanço dessas. Contudo, durante a visita realizada no ano de 2011 se observou que essas aumentaram muito, especialmente as pichações feitas com tinta spray. Isso levou à equipe de pesquisadores do LAP/UNEB a empreender amplas campanhas de Educação Patrimonial no povoado, a primeira dessas ocorreu ainda no ano de 2011 e foi realizada com o auxílio de professoras da rede municipal de ensino, conforme Silva et al (2015). Essas ações foram desenvolvidas junto ao público escolar, embora tentativas de execução com a comunidade em geral tenham sido feitas, mas, sem sucesso.

Outra ação educativa foi feita no ano de 2013, e esta também foi realizada com estudantes do Povoado. Após essas duas ações, revisitamos o sítio e não observamos mais avanço nas pichações. Contudo, não podemos garantir que as mesmas não continuem avançando porque a área é visitada por pessoas de vários locais, não apenas do Povoado de Tiquara, conforme salientado anteriormente.

As ações em educação patrimonial estão sendo repensadas, pois, dentre as atividades já efetuadas as que tiveram maior aceitação foram os eventos executados nas escolas locais. As investidas junto à população geral têm se mostrado com pouco impacto, a exemplo do que se encontra descrito em Silva et al. (2015).

Finalizamos nosso texto com a certeza de que será necessária a utilização de técnicas de conservação, sinalização do sítio e colocação de placas educativas, bem como a ampliação das práticas de educação patrimonial no povoado e nas imediações (outros povoados e sede municipal), bem como a possibilidade de inserção do poder público municipal diante da necessidade de prevenir a destruição desse sítio.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores deste artigo agradecem ao Sr. Paco, dono da fazenda onde se situa o sítio e ao biólogo André Vieira por ter indicado a área e acompanhado a primeira visita da equipe do LAP ao sítio no ano de 2007.

 

¿Preguntas, comentarios? escriba a: rupestreweb@yahoogroups.com


Cómo citar este artículo
:

Silva Santana, Cristiana de Cerqueira; D’Oliveira Silva, Gilmar; de Santana,
Hélio Augusto; Bezerra Santana, Joyce Avelino; Teles Xavier, Márcia Cristina.

Especifidades e desafios do sítio arqueológico Buraco D`Água, em Campo Formoso,
Bahia, Brasil
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/buraco.html

2016

 

REFERÊNCIAS

ARQUEOLOGIA E PALEOAMBIENTES. Mais um sítio arqueológico de pinturas rupestres localizado em Campo Formoso. Grupo de Pesquisa em Arqueologia e Paleoambientes. 2015. Disponível em: http://arqueologiabahia.blogspot.com.br/

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